Por: Dom Marcello Stanzione
Existem duas tendências opostas na história do hábito eclesiástico do clero: por um lado, o desejo de manifestar o estado separado e o caráter sagrado do clero e, assim, colocá-lo em estado de alerta frente à tentação de viver de maneira profana; por outro lado, o desejo de não estar muito longe das pessoas que devem evangelizar, devido a uma vestimenta estranha e excêntrica em comparação com aquela habitual a todos os cristãos. Do século VI ao final do XIX é a primeira tendência que domina, de maneira quase que exclusiva. Sabe-se que nos primeiros cinco séculos não havia diferença alguma entre a veste civil e a clerical. De fato, nos primeiros séculos, a Igreja não tinha estatuto jurídico legal em meio a um mundo onde não havia outras instituições além do Estado Romano. Além disso, as perseguições ameaçavam continuamente a cristandade, por isso não era apropriado que os membros do clero fossem facilmente reconhecíveis. Assim, vemos Cipriano de Cartago, no III século, no momento do seu martírio, vestido como todos, isto é, com uma roupa simples, no formato de uma túnica longa por baixo e com uma outra vestimenta por cima, uma espécie de toga simplificada, com aberturas laterais para garantir a liberdade dos movimentos do braço e, finalmente, uma dalmática, que tinha mangas e cujo manto era fechado de todos os lados. Muito tempo depois das perseguições, os clérigos mantêm um hábito muito parecido com o dos leigos de classe média.
O papa São Gregório e o papa São Zacarias vestiam roupas segundo o costume de vestimenta da classe média da cidade. A própria vestimenta litúrgica, nestes primeiros séculos, não era diferente da roupa civil. A mais antiga representação da Eucaristia, na catacumba de São Calisto, mostra-nos o celebrante trajando apenas uma túnica longa que deixa um ombro e o peito nu.
Nos séculos posteriores, a vestimenta litúrgica continua sendo a veste civil; mas se recomenda para a liturgia uma limpeza especial das roupas. Ao contrário de Roma, na França, os bispos do século V começaram a ter um vestiário diferente, não um traje luxuoso; mas para seguir o Evangelho, que recomenda que os rins sejam cingidos e que não haja posse de um manto, com isso, decidem portar um pequeno pálio. O Papa Celestino, no ano 428, os culpou de maneira violenta porque introduziram um costume contrário ao da Igreja: “se é preciso distinguir-se do povo e dos outros, conclui o Papa, que seja pela doutrina não pela vestimenta. E se é preciso seguir o Evangelho ao pé da letra, por que não segurar um cajado e uma lanterna acesa na mão?”.
Neste sentido, é interessante notar que o uso da mitra episcopal é desconhecida antes do século nono. Foram as invasões bárbaras que criaram uma revolução na vestimenta que influenciou também a veste clerical. Enquanto a antiga civilização permaneceu fiel à veste longa, os invasores da Alemanha portavam uma veste curta e aberta que deixava os membros livres. Igualmente, Carlos Magno não usou mais que duas vezes na vida a túnica romana longa e, quando o fez, foi por ordem expressa de dois Papas, escandalizados com uma moda considerada indecente e progressista.
No período merovíngio, no século XII, a vestimenta curta torna-se universalmente utilizada, é composta de calças curtas (uma espécie de cueca), de uma túnica com comprimento acima dos joelhos, com mangas e presa na cintura por um cinto e de um manto aberto sobre o ombro. Somente o rei, pelo menos a partir de Capeti, pode usar uma túnica longa no estilo dos imperadores bizantinos.
Os clérigos foram muito tentados a usar esta vestimenta de origem militar porque sentiram que era mais confortável e prática; por isso não acho que os concílios eclesiásticos dos séculos V, VI e VII se expressaram contra esta moda profana de origem bárbara e convidou os clérigos a utilizar a veste longa romana, ou seja, a antiga veste civil, que tornou-se arcaica. Será o Papa Zacarias que, no ano 743, permitirá que os clérigos usem, durante as viagens, um hábito curto mais confortável. Nesta época, nenhuma cor é indicada nem para os bispos nem para os presbíteros: mas é exortado que seja um hábito modesto e sem luxo.
A partir do V século é imposta uma nota distintiva para os clérigos: o corte curto dos cabelos. Entre os alemães, os nobres possuíam cabelos longos. Daí, vários concílios impuseram aos clérigos o estilo curto, ao molde antigo. A partir do século VI se introduz lentamente o corte (que seria melhor se fosse chamado: o barbeado), imitando os monges que não possuem uma pequena coroa de cabelo ao redor do crânio. Neste corte de estilo monacal encontramos facilmente um sentido simbólico: o diadema do sacerdócio real.
Os clérigos foram muitas vezes dispensados do seu uso, por isso os concílios retornaram frequentemente nesta obrigação. Somente a partir do século XVI, o pequeno corte ou mesmo a tonsura no topo da cabeça, substitui a coroa para os diocesanos e para os clérigos regulares. Retornando ao hábito, sabemos que no século XII, temos de novo uma inversão na moda: a partir do ano 1140, provavelmente imitando o Oriente, através da mediação do reinado normando da Silícia, a capa, bem como a túnica longa retornam à moda por parte do povo e se espalha num luxo inédito lançando um decretando contra os trajes de mangas longas, os trajes quebrados, a seda, as peles preciosas e também a cores brilhantes, como o vermelho e o verde.
Os cardeais, como uma instituição que surge por volta do século XI, começaram a usar no século XIII, pelo menos para o chapéu, o roxo violeta, sinal imperial reservado ao Santo Padre e aos seus legados. O roxo violeta se tornará, lentamente, a cor do atual hábito solene de cerimônia dos bispos.
No século XIV, houve uma nova virada da moda: o povo retornou às vestes curtas e com um corte ajustado ao corpo que criou escândalo entre as pessoas da Igreja, que as consideraram imorais e ridículas.
A metade do século XV representa um período decisivo para o futuro da moda masculina na vida civil. As cruzadas fizeram com que se propagasse por toda a Europa o uso da seda pela variedade de cores. As roupas masculinas eram tão apertadas que foi preciso fazer um arranjo particular na região dos órgãos genitais. Agora, a veste longa não será mais que uma vestimenta cerimonial, um pouco como o “frak” e a cartola nos nossos dias. A veste longa tem um caráter real que Felipe, o Belo concederá ao secretário da França e aos juízes, juntamente com a púrpura e o arminho, insígnias do poder supremo.
Os concílios dos séculos XIV e XV prescreveram para o clero o hábito longo e fechado de todos os lados. O Concílio de Trento (Sessão XIV, Decreto sobre a reforma, cân. VI) expressa de maneira sóbria o espírito da Igreja da Contrarreforma: “Embora o hábito não faça o monge, é todavia necessário que os clérigos portem sempre o hábito conforme o seu próprio estado, de modo que as vestes exteriores manifestem a honestidade interior dos costumes. Hoje, por outro lado, a temeridade e o desprezo pela religião, da parte de alguns, foi tão longe que, sem estima alguma pela própria honra e pela própria dignidade clerical, usam vestes de leigos, até publicamente, tendo os pés sobre campos diversos: um nas coisas divinas e outro nas coisas carnais”.
Diácono Valney
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