Na manhã do 19 de setembro de 1846 Maximin acompanhou Mélanie para cuidar do gado. Era um dia bonito, o céu estava sem nuvens e o sol brilhava intensamente. Subiram o morro de La Salette (França) até uma altura de 1.800 metros, sem poderem imaginar o evento sobrenatural que haveriam de testemunhar. Maximin queria brincar. Ela lhe propôs seu entretenimento preferido: fazer o que ela chamava de paraíso, isto é, uma casinha de pedras toda recoberta de ramalhetes feitos com flores silvestres, que desabrocham naturalmente nas alturas. Chegando a uma curva do terreno protegida dos ventos, começaram a levantar o paraíso. No local há muita ardósia, pedra que forma placas e se prestava para o brinquedo.
A fonte de La Salette |
Ali
corre um regato chamado Sézia, formado pelo degelo das neves, e que empresta
seu nome ao local da aparição. Também surgia uma fonte de água de vez em
quando. Os pastores costumavam levar o gado para beber água dessa fonte, mas
desde a aparição, ela vem jorrando sem interrupção. Pode-se beber dela e, por
causa disso, muita gente tem recebido graças. Até mesmo milagres têm
acontecido. O paraíso tinha um térreo, que seria a habitação,
e um sobrado fechado por uma pedra mais larga. Eles colheram maços de flores,
fizeram coroas adornadas e as distribuíram sobre o paraíso. Após
muito trabalho nessa construção, o paraíso ficou pronto e todo
colorido e perfumado. Os dois admiraram a obra, mas sentiram sono. Afastaram-se
um pouco, comeram seu magro quitute, deitaram na relva e dormiram.
Uma
luz mais brilhante que o sol.
Maximin
contou o que em seguida aconteceu: “Nossas vacas beberam e se dispersaram.
Fatigado, me deitei sobre a grama e dormi. Alguns instantes depois ouvi a voz
de Mélanie que me chamava:
– Mémin [era um diminutivo de Maximin], Mémin vem logo, vamos ver onde estão as
vacas. “Eu me levantei num pulo, peguei meu bordão e fui atrás de Mélanie, que
era minha guia. Atravessamos o Sézia e subimos rapidamente a encosta de um
montículo. Do outro lado percebemos que nossos animais repousavam
tranquilamente. "Voltamos para o banco de pedra, onde tínhamos deixado
nossas merendeiras, quando de repente Mélanie parou O bastão caiu de suas mãos,
e espantada, ela voltou-se para mim, dizendo:
– Está vendo lá em baixo essa grande luz?
– Sim, estou vendo. Mas vai, pega o teu bordão.
“Então, brandindo o meu cajado de modo ameaçador, eu disse:
– Se ela nos tocar, eu lhe darei um bom golpe!
“Essa luz, diante da qual a do sol parece pálida, parecia se entreabrir, e
percebíamos no seu interior a forma de uma Dama ainda mais brilhante. Ela tinha
a atitude de uma pessoa profundamente aflita. Estava sentada sobre uma das
pedras do banquinho [N.R.: refere-se ao paraíso], com os cotovelos
apoiados nos joelhos e o rosto coberto com as mãos”. Era o dia 19 de setembro de 1846. As crianças não faziam bem ideia da
magnitude do que estava ocorrendo. Mélanie
e Maximin se encontravam nesse momento num local mais alto, e foram descendo,
de início intrigados e depois maravilhados. Maximin continua: “Embora
estivéssemos a uma distância de uns vinte metros, ouvimos uma voz doce, como se
saísse de uma boca próxima de nossos ouvidos, que dizia:
– Avançai meus filhos, não tenhais medo. Estou aqui para vos anunciar uma
grande notícia.
O
temor respeitoso que nos tinha contido desvaneceu-se. Corremos até ela, como
indo a uma boa e excelente mãe”. Mélanie sempre
foi mais meticulosa nas suas descrições. Deixou registrado com mais pormenores
o que viu e ouviu. Ela conta:
“O vestido da Santíssima Virgem era branco prateado e todo brilhante. Não tinha nada de material, estava composto de luz e de glória variante e cintilante.
“Na terra não há expressões nem comparação para usar. (...)
“A Santíssima Virgem tinha um avental amarelo. Por que digo amarelo? Ela tinha um avental mais brilhante que muitos sóis juntos.
“Não era de um pano material, estava composto de glória, e esta glória era cintilante e de uma beleza encantadora. “Tudo na Santa Virgem me atraía poderosamente e me inclinava a adorar e a amar meu Jesus em todos os estados de sua vida mortal. “A coroa de rosas que ela tinha sobre a cabeça era tão bela, tão brilhante, que não dá para se fazer uma ideia. As rosas de diversas cores não eram da terra. “Era uma reunião de flores que rodeava a cabeça da Santíssima Virgem com forma de coroa. Mas as rosas mudavam e se substituíam, porque do centro de cada rosa saía uma luz tão bela, que fascinava e tornava as rosas de uma beleza esplendorosa. “Da coroa de rosas subiam raios de ouro e uma grande quantidade de outras florzinhas misturadas com brilhantes. O todo formava um belíssimo diadema, que brilhava sozinho mais do que nosso sol na Terra.
Os sapatos (pois é preciso dizer sapatos) eram brancos, mas de um branco prateado, brilhante. Havia rosas em torno deles.
“Essas rosas eram de uma beleza fulgurante. E do centro de cada rosa saía uma chama de luz muito bonita e muito agradável de se ver. Sobre os sapatos havia uma fivela de ouro, não do ouro da Terra, mas de ouro do paraíso”. Mélanie contou que Maximin tentou pegar uma destas rosas que estavam sob Nossa Senhora, mas nada conseguiu. “A Santa Virgem tinha uma belíssima cruz pendurada no pescoço. Essa cruz parecia ser dourada, mas digo dourada para não dizer que era folheada a ouro (...). “Sobre esta cruz brilhantíssima havia um crucificado. Era Nosso Senhor com os braços estendidos sobre a cruz. Quase nas duas extremidades da cruz, de um lado havia um martelo e do outro uma torquês. “A cor da pele do crucificado era natural, mas brilhava com grande fulgor. E a luz que emanava de todo seu corpo parecia dardos brilhantíssimos que perpassavam meu coração de desejo de me fundir n’Ele. “Por vezes Cristo parecia morto. Ele tinha a cabeça inclinada e o corpo estava afastado, como a ponto de cair, se não fosse retido pelos pregos que o seguravam na cruz. “Outras vezes Cristo parecia vivo. Tinha a cabeça erguida, os olhos abertos, e parecia estar na cruz por vontade própria. E em algumas ocasiões parecia falar”. Geralmente interpreta-se o martelo como símbolo daqueles que pela sua má vida, pelo menosprezo da Lei divina e até pelo ódio, pregam ainda mais Nosso Senhor Jesus Cristo na cruz.
Nesta concepção a torquês representa aqueles que, pelas suas boas ações, diminuem as dores de Nosso Senhor, e dentro de suas possibilidades tentam despregá-lo da cruz. “A Santíssima Virgem – lembra ainda Mélanie – tinha duas correntes, uma um pouco mais larga que a outra. Da mais estreita estava pendurada a cruz à qual me referi.
“Essas correntes (é preciso dar-lhes o nome de correntes) eram raios de glória de grande brilho, que não é fixo mas faiscante”. Os videntes desceram logo a pouca distância que os separava da Dama.
Ao mesmo tempo Nossa
Senhora se pôs em pé e deu alguns passos em direção às crianças. Ela pairava
uns 10 centímetros acima da relva, e começou dizendo: “Vinde
meus filhos, não tenhais medo, estou aqui para vos anunciar uma grande notícia.
“Se meu povo não quiser se submeter, fico obrigada a deixar o braço de meu
Filho golpear. “Ele é tão pesado e tão grave, que não posso mais segurá-lo. “Há
muito que sofro por vossa causa. Se quero que meu Filho não vos abandone, estou
obrigada a rezar a Ele sem cessar, por vossa causa.
Mas vós não fazeis caso”. Mélanie descreveu
assim o olhar de Nossa Senhora, como ela viu na aparição: “Os olhos da
Santíssima Virgem, nossa terna mãe, não podem ser descritos por língua humana. “Seria preciso um serafim, seria preciso a
linguagem do próprio Deus, desse Deus que criou a Virgem Imaculada, obra-prima
de sua onipotência. “Os olhos da augusta Maria pareciam mil vezes mais belos
que os brilhantes, os diamantes, as pedras preciosas mais procuradas.
“Eles brilhavam como sóis. Eram doces, feitos da própria doçura, luminosos como
um espelho. Em seus olhos via-se o Paraíso, eles atraíam a Ela.
“Ela parecia querer dar-se e atrair. Quanto mais eu a olhava, mais a queria
ver. Quanto mais a via, mais a amava com todas minhas forças.
“Os olhos da bela Imaculada eram como a porta de Deus, de onde se via tudo que
pode inebriar a alma. Quando meus olhos se encontravam com os da Mãe de Deus e
minha, sentia dentro de mim uma feliz revolução de amor, uma promessa de amá-la
e de me desfazer de amor. “Quando nos olhávamos, nossos olhos conversavam à sua
maneira. Eu a amava tanto, que teria querido osculá-la entre os olhos. “Eles
enterneciam minha alma e pareciam atraí-la e a fundir com a minha. Seus olhos
inculcaram um suave tremor em todo o meu ser.
“Eu temia qualquer movimento que lhe pudesse ser desagradável, por menor que
fosse. “A simples visão dos olhos da mais pura das virgens teria bastado para
tornar-se o céu de um bem-aventurado. Teria bastado para que uma alma se unisse
plenamente com a vontade do Altíssimo, permanecendo assim em meio os eventos da
vida mortal. “Teria bastado para que esta alma praticasse contínuos atos de
louvor, de ação de graças, de reparação e de expiação.
“Esta simples visão concentra a alma em Deus e a torna como uma morta viva que
olha todas as coisas da Terra, até as que lhe parecem mais sérias, como se
fossem brinquedos de crianças. Ela não desejaria senão ouvir falar de Deus e do
que toca na sua glória”.
Ciência Confirma Igreja.
setembro/2021.